Imunizante pioneiro, testado em camundongos, foi desenvolvido por meio de um esforço conjunto de diversas instituições.
Uma vacina intranasal contra Covid-19 apresentou 100% de eficácia contra o vírus, quando testada em camundongos. É o que aponta um estudo desenvolvido no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), em um convênio com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e parceria com pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e Instituto de Medicina Tropical (IMT), ambos da USP, além da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pesquisa, publicada na revista Vaccines, contou também com o apoio da Fapesp.
Uma alternativa às vacinas atualmente disponíveis, de aplicação intramuscular, o novo imunizante induz imunidade pela mucosa do corpo, podendo ser aplicado pelo nariz ou pela boca na forma de “spray”. O imunizante é um dos primeiros do formato a ser testado no mundo. “Como o SARS-CoV-2 é um vírus respiratório, foi natural propor uma vacina que pudesse neutralizá-lo já na área mais propensa às suas tentativas de entrada no corpo humano, ou seja, nas vias aéreas superiores”, conta Momtchilo Russo, professor do Departamento de Imunologia do ICB e um dos coordenadores do estudo. Nas mucosas, há uma grande produção de anticorpos, incluindo a Imunoglobulina A (IgA), proteína fundamental para a nossa imunidade de mucosa.
Direto no pulmão — A vacina, para despertar a imunidade, utiliza como antígeno a proteína Spike (S) — fornecida aos pesquisadores pela Profa. Leda Castilho, que coordena na UFRJ o Laboratório de Engenharia Celular —, de maneira similar a outras como a Oxford-Astrazeneca ou Janssen. Quando o indivíduo é infectado, o sistema imune detecta essa proteína S, presente no SARS-CoV-2 e induz a produção de anticorpos IgA, iniciando a ação contra o vírus no local.
A vacina contém também um adjuvante, já usado em seres humanos em outras ocasiões, o CpG. Composto por oligonucleotídeos contendo citosina e guanina, o CpG potencializa a eficácia da vacina. Para compor o produto final, o CpG e a proteína S são inseridos em uma partícula de lipídio (lipossoma).
“Trata-se de uma técnica fácil de realizar, se comparada, por exemplo, com as vacinas que usam os RNAs mensageiros, ou com as vacinas de adenovírus, que são mais complicadas de se produzir e armazenar, pois requerem temperaturas baixíssimas para a sua manutenção”, acrescenta Russo. Outra vantagem da vacina intranasal em relação às intramusculares diz respeito à sua eficácia no pulmão: ao circular pela mucosa, o imunizante atinge mais rapidamente esse órgão.
Testes em camundongos — No estudo, foi utilizado modelo animal com camundongos transgênicos que expressam o receptor do vírus nas células epiteliais do trato respiratório. Quando infectados pelo vírus, os animais desenvolvem pneumonia viral bilateral, perdem peso e a maioria sucumbe à infecção em sete dias.
Resumo gráfico dos mecanismos imunológicos que operam na COVID-19
Nos testes, 100% dos animais vacinados foram protegidos contra a infecção considerando a mortalidade ou perda de peso. A vacina intranasal mostrou-se mais eficiente na eliminação do vírus do pulmão e ao induzir a produção de anticorpos IgA, quando comparada com a aplicação subcutânea do mesmo imunizante. O fato de diminuir a carga viral no pulmão sugere que a transmissão do vírus pode ser menor com a vacina intranasal. Foi constatada a mesma proteção contra outras variantes de preocupação do SARS-CoV-2, incluindo a gamma, delta e ômicron.
“Nossa vacina também pode funcionar muito bem como reforço heterólogo, combinando-a com outros tipos de vacinas já aplicadas anteriormente, como com a AstraZeneca ou CoronaVac”, sugere o pesquisador.
Imunizante 100% nacional — O projeto surgiu com base em linhas de pesquisa anteriores de Russo, que possui experiência de mais de 30 anos em imunologia do pulmão e no conhecido papel das mucosas no sistema imune, e foi submetido pela Dra. Luciana Mirotti, que atuou como coordenadora geral. Durante seu pós-doutorado, a também imunologista trabalhou no laboratório do Prof. Russo em um modelo pulmonar buscando criar uma vacina contra asma alérgica. Posteriormente, já na Fiocruz, teve a oportunidade de participar de um projeto Inova — programa de pré-aceleração de projetos da Fundação — e convidou o antigo orientador para uma colaboração.
“Sugeri que adaptássemos nossa linha de pesquisa anterior para a produção de um imunizante contra o SARS-CoV-2. Então elaboramos uma pequena proposta de pesquisa, na qual demos como exemplo a vacina Sabin, contra a poliomielite, que é aplicada na forma oral induzindo imunidade de mucosa, algo muito positivo em face da fobia de agulha de muitas pessoas”, conta o professor.
A partir daí, iniciou-se um esforço colaborativo nas diferentes frentes e etapas necessárias à produção de uma nova vacina: produção do vírus e ensaios de neutralização no IMT da FMUSP, infecção dos camundongos, realizada no laboratório nível de segurança NB-3 da FCF-USP; imunização desses animais, realizada no ICB; e o já citado fornecimento da proteína Spike pela UFRJ, além da colaboração de pesquisadores da Fiocruz.
“Uma das ideias básicas para a implementação desse imunizante é que todos os insumos, instalações e expertise fossem disponíveis no nosso país, por isso o grande esforço de colaboração”, ressalta. O imunizante agora deverá avançar para outras etapas de teste.