Enfrentamento da COVID-19: mais ciência e menos política

O presidente do Conselho Federal de Medicina, o médico Mauro Luiz de Britto Ribeiro, enfatizou, em texto publicado no jornal Folha de São Paulo, a questão da autonomia do médico em prescrever o tratamento que clinicamente entende ser o mais apropriado, delegou a categoria dos médicos o fato de serem os “verdadeiros heróis” no enfrentamento da COVID-19, desconsidera que os cuidados em saúde, em todos os níveis, são dependentes da atuação de uma gama de profissionais igualmente comprometidos e expostos aos riscos trazidos pela Covid-19 e responsáveis, também, pelo conhecimento produzido e base do exercício dessas profissões que têm a ciência como aliada e tem que ser feito com base em evidências e não na simples volição.

Em nosso entendimento todos os profissionais que estão na linha de frente do enfrentamento da COVID-19 são heróis dessa batalha que já vitimou, apenas no Brasil mais de 215 mil vidas. Destaca-se, inclusive, que profissionais de áreas diversas e fora do escopo da saúde têm sido expostos e infectados pelo SARS-COV-2. Arriscam suas vidas garantindo que atividades essenciais sejam mantidas, dentro e fora do ambiente hospitalar, repercutindo no sucesso de tratamentos e ajudando a salvar vidas. São igualmente heróis, silenciosos e, muitas vezes, esquecidos.

A humanidade deve muito a todos esses profissionais.

Desde o início da pandemia decorrente da COVID-19 todos os profissionais da área de saúde tem aprendido diuturnamente  com a doença e com os pacientes, bem como a ciência como um todo tem sofrido uma revolução pela pressa de se encontrar soluções. Apesar das perdas irreparáveis de vidas a ciência tem buscado soluções medicamentosas e não medicamentosas referenciadas em evidências, procurando reduzir o sofrimento de doentes e familiares e construindo uma base o mais sólida possível de informações consistentes sobre o que é eficaz e o que não é contra a COVID-19. É incansável o trabalho no desenvolvimento de vacinas, ocorrido em tempo recorde, e que estão começando a ser disponibilizadas para a sociedade. O desenvolvimento de vacinas e de medicamentos é uma das partes dessa batalha que exemplifica a importância do trabalho conjunto entre diversas profissões e profissionais. Ratifica-se a natureza transdisciplinar interprofissional da saúde.

Obviamente, a ciência deve ser a base para as decisões no enfrentamento da COVID-19 como já ocorre com qualquer doença que atualmente tem tratamento, pois são os conhecimentos científicos que tornam cada procedimento mais seguro, eficaz e reprodutível. Assim, o chamado “tratamento precoce” para COVID-19  tem sido muito discutido devido a ausência de dados científicos confiáveis que o suportem. De fato, o uso precoce de nenhum fármaco disponível no mercado, até o momento, possui ensaios clínicos randomizados (“clinical trials”) suficientes para garantir que sejam efetivos para o que se propõe: mitigar preventivamente sinais e sintomas da COVID-19.

Os “clinical trials” são reconhecidos cientificamente por serem protocolos experimentais mais eficazes e seguros para testar novos medicamentos (ou reposicionamento de fármacos já conhecidos) buscando avaliar sua contribuição para o bem-estar das pessoas ou para ajudar no tratamento de uma doença ou impedir que ela piore.  Assim, todos os medicamentos disponíveis para o uso clínico devem ter passado por extensivos “clinical trials” antes de serem aprovados pelas agências regulatórias como a ANVISA. Em uma doença nova como a COVID-19, muitos estudos estão sendo realizados atualmente e muito material tem sido publicado, mas vários estudos não respeitam as restritivas normas dos “clinical trials”, portanto, tendo seus resultados pouca confiabilidade e sendo irrelevantes na construção de modelos para um tratamento efetivo.

Por outro lado, os “clinical trials” mais contundentes e publicados nos melhores jornais do mundo já demonstraram a ineficácia de fármacos como a cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19. Mas, igualmente tem demonstrado de forma inequívoca os benefícios dos corticosteroides, reduzindo os efeitos da “tempestade de citocinas” promovendo, assim, benefícios para vários pacientes. Outro exemplo importante é a ivermectina que continua sendo estudada em “clinical trials” que atualmente estão em desenvolvimento, mas que até o momento não tem trazido dados inquestionáveis sobre os possíveis benefícios de seu uso preventivo.

A medicina é uma profissão que traz ciência e arte no seu exercício, mas que tem a terapêutica farmacológica estruturada sobre pilares dos níveis de evidência científica que justificam o uso de determinado medicamento. A liberdade de prescrição não é um direito sem regras e absoluto. Portanto, entende-se cientificamente que os tratamentos sem sólidas bases de evidências devem ser realizados com pleno esclarecimento e consentimento do paciente, em ensaios clínico (“clinical trials”) bem controlados e sobre supervisão do devido aparato ético do exercício profissional e de pesquisa. A validação dos resultados deverá ser substanciada em resultados publicitados e, preferencialmente, publicados em jornais reconhecidos, com revisão de pares.  Esses são os padrões de segurança e de conduta terapêutica esperados. É o porto seguro para o exercício profissional e o que se espera da ação dos conselhos profissionais.

Sandra Farsky, professora titular a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP)

Adriana Raffin Pohlmann, professora titular aposentada, Departamento de Química Orgânica, professora permanente no Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Tania Mari Bellé Bresolin, docente no curso de Farmácia e Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas Universidade do Vale do Itajai

Wanda Pereira Almeida, professor associado, Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Unicamp

Lucindo Quintans Júnior, professor titular, Departamento de Fisiologia. Universidade Federal de Sergipe

Fernanda Nervo Raffin, professora titular, Departamento de Fármacia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Armando da Silva Cunha Junior, professor titular da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais

Leonardo R. L. Pereira, docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Guilherme Martins Gelfuso, Professor Associado, Departamento de Farmácia. Universidade de Brasília

Renata F V Lopez, professor associado, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo

Luciana Lopes, professora associada, ICB-USP

Ricardo N. Marreto, professor associado, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Goiás

Teresa Dalla Costa, professora titular, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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